QUELIMANE - O que era para ser um momento de celebração nacional transformou-se num episódio de fricção política e desilusão popular. A presença do edil de Quelimane, Manuel de Araújo, na cerimónia da Chama da Unidade Nacional reacendeu, mais do que o símbolo do evento, o debate sobre coerência política, prioridades nacionais e confiança pública.
Durante o evento “Moçambique em Concerto”, no dia 11 de maio, Araújo surgiu no palco empunhando a tocha da unidade, em frente a câmaras e multidões. A imagem, partilhada massivamente nas redes sociais, provocou uma onda de críticas, sobretudo por parte dos seus apoiantes habituais.
“Ele era a nossa voz contra os abusos do governo central. Agora aparece a segurar a mesma chama que muitos de nós criticamos por ser uma distração cara?”, questiona indignado João Luís, comerciante local de 34 anos. “Senti como se ele tivesse mudado de lado sem nos avisar.”
O sentimento de traição parece ser comum entre os residentes de Quelimane. Para Amélia Muchanga, professora do ensino secundário, “o problema não é a chama em si, mas o contexto. Há escolas sem carteiras, hospitais sem medicamentos, estradas intransitáveis. E estamos a gastar milhões para transportar uma chama simbólica? Isso dói.”
Apesar das críticas, Araújo tentou usar a sua participação para enviar uma mensagem política: apelou ao Presidente da República, Daniel Chapo, para uma governação inclusiva. “Não pode haver filhos da primeira nem da segunda”, disse, sublinhando a necessidade de paz e igualdade entre os moçambicanos.
Contudo, essa mensagem parece ter sido ofuscada pelo simbolismo do gesto.
“Ele podia ter dito isso em qualquer outro lugar. Escolher aquele palco foi um erro estratégico. Deu munição aos seus críticos e confundiu os seus aliados”, afirma o sociólogo Elias Muanza, que acompanha a política local há mais de duas décadas.
Nem todos, porém, veem a situação com os mesmos olhos. Para Helena Sitoe, jovem ativista cultural, a participação de Araújo “pode ter sido uma tentativa de diálogo. Talvez ele queira mostrar que é possível criticar e ainda assim participar de forma construtiva. Mas neste país, símbolos têm peso — e isso não pode ser ignorado.”
O debate está lançado, e o que se imaginava ser um simples ato simbólico mostrou-se um teste à coerência política e à relação entre representantes e representados. Enquanto a tocha da unidade segue acesa por outras províncias, em Quelimane, a chama do debate arde com intensidade redobrada.
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