A Cervejas de Moçambique (CDM) anunciou um aumento de 150% nos dividendos para os cerca de 3.000 accionistas. Este crescimento segue-se a um lucro recorde de 1.706 mil milhões de Meticais em 2024, resultado da expansão para o mercado sul-africano, da optimização operacional e da redução de custos financeiros.
Porém, mais do que uma história de sucesso empresarial, este aumento de dividendos revela o entrelaçamento entre o poder político, os fundos públicos e os interesses empresariais.
Entre os beneficiários está a SPI – Gestão e Investimentos, S.A.R.L, holding do partido Frelimo, com 3.67% de participação na CDM. Criada em 1992, a SPI investe em telecomunicações, energia, turismo, minas, e mais de 20 empresas, incluindo a Dugongo Cimentos, Movitel e Touchcom. Este investimento traduz-se num ganho de milhões de Meticais, fortalecendo ainda mais o patrimônio do partido no poder.
O Instituto de Gestão das Participações do Estado (IGEPE), também accionista da CDM com 1.37%, representa directamente o Governo e participa da estrutura accionista desde 1995. Em paralelo, o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) detém 2.60% das acções. Ambos são instituições públicas e, no caso do INSS, gerem fundos provenientes das contribuições dos trabalhadores moçambicanos.
O accionista maioritário da CDM é a multinacional belgo-brasileira AB InBev, com 83.01% das acções. Em contraste, os pequenos accionistas e singulares detêm 8.44% das acções, adquiridas através da Bolsa de Valores de Moçambique.
O Conselho de Administração é presidido por Tomaz Salomão e integra nomes como José Pacheco, recentemente indigitado para liderar o SISE. A presença de figuras de peso da Frelimo em postos-chave reforça as preocupações sobre a promiscuidade entre os interesses políticos e económicos.
Este cenário levanta questões graves sobre a ética na gestão de recursos públicos e privados em Moçambique. O capital do INSS e IGEPE, destinado a proteger e promover o bem-estar colectivo, está directa ou indiretamente a beneficiar estruturas partidárias e elites. A falta de transparência, a ausência de fiscalização independente e o risco de captura do Estado por interesses partidários são questões que não podem ser ignoradas.
É urgente que se discuta o papel das entidades públicas em sociedades privadas e o uso de recursos do Estado para fins que, em última instância, podem não servir ao interesse público, mas sim a uma minoria com acesso privilegiado ao poder económico e político.
Fonte CARTA DE MOÇAMBIQUE