Docentes protestam em todo o país contra anos de salários em atraso; manifestações usam figuras históricas como símbolo de frustração
A tensão entre professores moçambicanos e o Governo atingiu um novo clímax nos últimos dias, com uma onda de protestos em várias províncias exigindo o pagamento imediato das horas extraordinárias em atraso desde 2022. Em uma das imagens mais compartilhadas nas redes sociais, dois professores aparecem segurando cartazes amarelos com dizeres contundentes: “Quantas vezes Samora Machel deve morrer?” e “Queremos as horas extras dos anos 2022, 2023, 2024 e 2025 nas nossas contas.”
A frase que evoca o falecido primeiro presidente de Moçambique, Samora Machel, tornou-se símbolo do desespero e da decepção sentida pela classe docente, que vê nos atrasos salariais não apenas um problema administrativo, mas uma violação dos ideais fundacionais da nação.
Anos de promessas, poucos pagamentos
Desde 2022, professores em diversas regiões do país têm denunciado o não pagamento das horas extras prestadas em escolas públicas. A situação agravou-se com a introdução da Tabela Salarial Única (TSU), que, segundo o Governo, complicou a validação e autorização orçamental para os pagamentos. Enquanto isso, os docentes dizem que continuam a trabalhar em excesso, sem remuneração justa.
Em março de 2025, a Associação Nacional dos Professores (ANAPRO) deu um ultimato ao Governo: se até o dia 30 daquele mês os pagamentos não fossem regularizados, a greve seria inevitável. O prazo passou, os salários não caíram, e os protestos começaram a ganhar força.
Boicotes aos exames e paralisações nacionais
Em várias escolas, professores recusaram-se a fiscalizar exames da 10.ª e 12.ª classes. Em outras, o início do ano letivo de 2025 foi adiado ou parcialmente boicotado. Há relatos de que algumas instituições receberam apenas 20% dos valores devidos — sem explicação clara dos critérios utilizados.
“Já não é apenas uma questão de dinheiro, é uma questão de dignidade. Trabalhamos para formar gerações, e somos tratados como invisíveis”, diz um dos docentes que participou na manifestação em Nampula, onde as imagens viralizadas foram captadas.
Uma greve com peso histórico
A citação de Samora Machel nos protestos não é acidental. O ex-presidente é lembrado como um dos maiores defensores da educação pública e do respeito ao professor moçambicano. Usar o seu nome em meio a esta crise é um gesto de lamento — e talvez de cobrança — ao espírito da nação que ele ajudou a fundar.
Enquanto as negociações seguem sem solução definitiva, o cenário escolar em Moçambique permanece instável — e os educadores continuam nas ruas, com cartazes nas mãos e um legado em suas vozes.