Maputo – O Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD) considera que a transferência do Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) da alçada do Ministério do Interior (MINT) para a tutela do Ministério Público (MP) não resolve, por si só, os desafios estruturais enfrentados pelo órgão de investigação criminal. A proposta de lei que prevê a mudança está em debate, mas levanta preocupações quanto à independência real da instituição frente ao poder político.
De acordo com a nova proposta legislativa que revê a Lei n.º 2/2017, de 9 de Janeiro, o SERNIC deverá passar a responder diretamente ao MP, eliminando o regime anterior de dupla subordinação — em que estava sob tutela administrativa do MINT, mas atuava sob orientação do MP nas investigações. A medida pretende reforçar a coerência funcional da estrutura criminal. No entanto, o CDD vê com cautela o impacto efetivo dessa alteração.
"Controle direto do Presidente"
Embora o CDD reconheça que a transferência fortalece a lógica de separação de poderes, aponta que a nomeação do Procurador-Geral da República (PGR) pelo Presidente da República (PR) mantém um canal de influência direta do Executivo sobre o órgão que agora terá controlo sobre o SERNIC. "Não se trata de independência plena, mas de uma mudança de mãos", destaca a organização.
Para o CDD, o cerne da questão está no poder do chefe de Estado em nomear e exonerar o Procurador-Geral, figura chave no funcionamento do SERNIC. A organização alerta que isso pode comprometer investigações sensíveis envolvendo membros do partido no poder, o Frelimo, ou indivíduos ligados ao círculo presidencial.
Corrupção institucionalizada e infiltrações
A crítica não se resume à estrutura de poder. O CDD destaca ainda os riscos de corrupção e infiltração nas instituições do Estado. Durante os últimos anos, tanto a ex-Procuradora-Geral Beatriz Buchili quanto o atual PGR, Américo Letela, apontaram a presença de redes criminosas enraizadas no sistema de justiça, na polícia e em outros setores estratégicos do Estado.
Estudos e denúncias públicas sustentam que o crime organizado, como o tráfico de drogas, só prospera em Moçambique devido à proteção de altos dirigentes políticos e à falta de integridade nas instituições. Nesse contexto, o CDD defende uma reforma mais profunda e transparente, que vá além da reorganização institucional.
Separação de poderes ainda em xeque
A organização sustenta que a verdadeira independência do SERNIC passa não apenas pela sua ligação funcional ao Ministério Público, mas também por uma revisão mais ampla do equilíbrio entre os poderes do Estado. “A separação de poderes continua frágil enquanto o Presidente mantiver o controlo sobre os líderes do poder judicial”, sublinha o CDD.
Enquanto o debate legislativo prossegue no Parlamento, o futuro do SERNIC e sua eficácia no combate à criminalidade continuam envoltos em incertezas. Para o CDD, sem blindagem real contra a corrupção e a interferência política, a mudança de tutela poderá ter efeito meramente simbólico.
CDD MOÇAMBIQUE