SILENCIAR A VERDADE: A Imprensa em Estado de Sítio em Moçambique

 

Maputo, 8 de Maio de 2025 por JORNAL Creator (O jornal da verdade )

Maputo – O ano de 2024 entrará para a história como um dos períodos mais sombrios para o jornalismo moçambicano desde a abertura democrática dos anos 1990. A liberdade de imprensa, outrora garantida pela Constituição, tornou-se alvo de uma ofensiva sistemática de repressão, censura e violência — desencadeada e agravada, sobretudo, no contexto das eleições de 9 de Outubro.

Um relatório contundente publicado pelo MISA Moçambique, por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, documenta 32 casos de violações aos direitos de jornalistas — um número superior aos 28 registados em 2023. O dado mais alarmante: 22 desses casos estão directamente ligados ao processo eleitoral, um pleito marcado por suspeitas de fraude, protestos em massa e uma resposta repressiva das autoridades.

Entre os episódios reportados estão agressões físicas, detenções arbitrárias, ameaças de morte, confisco de equipamentos e impedimento de cobertura jornalística. Em muitos casos, as forças de defesa e segurança agiram com brutalidade, ignorando direitos básicos e demonstrando uma postura de hostilidade activa contra profissionais da comunicação.

“Estamos a viver uma regressão perigosa. Jornalistas estão a ser tratados como inimigos públicos por fazerem o seu trabalho”, afirmou Ernesto Nhanale, director-executivo do MISA Moçambique, durante a apresentação do relatório. A sua crítica mais severa foi direcionada ao silêncio do Procurador-Geral da República, que, mesmo em discurso no parlamento, ignorou completamente os ataques à imprensa. “Esse silêncio institucional legitima a violência e mina os pilares do Estado de Direito”, reforçou Nhanale.

A situação é particularmente crítica para as mulheres jornalistas. Muitos dos relatos compilados nos seminários realizados em dez capitais provinciais descrevem episódios de assédio sexual, violência simbólica e discriminação estrutural no exercício da profissão. “Somos vulneráveis duplamente: por sermos jornalistas e por sermos mulheres”, revelou uma repórter sob anonimato, após ter sido intimidada por agentes durante a cobertura de um protesto em Tete.

Apesar do clima de medo, houve resistência. Durante as celebrações do 3 de Maio, repórteres de diferentes regiões reuniram-se para partilhar estratégias de sobrevivência e resiliência. Entre os principais apelos esteve a necessidade urgente de mecanismos de protecção — legais, institucionais e físicos — para garantir o exercício livre do jornalismo.

A repressão em Moçambique ecoa uma tendência regional preocupante. Na África do Sul, durante os eventos comemorativos do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, especialistas alertaram para os riscos do controlo excessivo das redes sociais, da manipulação algorítmica de informações e da impunidade de governos autoritários que restringem o fluxo informativo.

O que se vive em Moçambique é mais do que uma crise da imprensa — é um reflexo de uma erosão democrática em curso. O cerco ao jornalismo independente, longe de ser apenas um ataque aos meios de comunicação, é um ataque à cidadania, à transparência e ao direito de saber.

Se calar a imprensa é apagar a lanterna da democracia, 2024 foi o ano em que a escuridão avançou perigosamente. Mas enquanto houver repórteres dispostos a contar a verdade, nem todas as luzes se apagarão.


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