O Presidente da República, Daniel Chapo, afirmou este sábado, em Maputo, que a escuta activa da criança é essencial para a construção de políticas públicas inclusivas. A declaração foi feita durante um encontro com crianças de diferentes escolas e creches da cidade, no âmbito da celebração da Quinzena da Criança, numa cerimónia marcada por simbolismo, emoção e apelos à esperança.
Apesar da força das palavras e da carga pedagógica da iniciativa, levanta-se a pergunta: está o Governo verdadeiramente a escutar as crianças — e a agir com base nessa escuta?
Daniel Chapo defendeu que investir na criança é garantir um país mais justo e próspero. Falou de cidadania, de sonhos, de compromisso com a pátria. Mas no terreno, muitas crianças continuam fora do sistema de ensino, em situação de subnutrição crónica, ou expostas a abusos e trabalho infantil. Organizações da sociedade civil e agências das Nações Unidas têm alertado, de forma consistente, para lacunas graves no cumprimento dos direitos da criança em Moçambique.
A escuta activa, sem políticas activas, não passa de retórica.
O Presidente sublinhou que “esta casa – a casa do povo – também é vossa”, dirigindo-se aos petizes que visitaram a Presidência da República. Mas fora dos muros do palácio presidencial, milhares de crianças vivem sem acesso à saúde básica, água potável, segurança ou oportunidades de expressão política. O próprio Parlamento Infantil, de onde veio o jovem Elias Caetano (que agradeceu o gesto do Chefe de Estado), tem sido criticado por ser mais um exercício simbólico do que um canal real de influência nas decisões de Estado.
Além disso, o contexto actual — marcado por cortes orçamentais, dificuldades na implementação de programas sociais e a falta de responsabilização efectiva nos sectores de governação — levanta dúvidas sobre a capacidade do Estado de transformar discursos em políticas públicas com impacto real.
Se há mérito na aproximação institucional entre a Presidência e as crianças, também é legítimo exigir que essa relação não se esgote em visitas guiadas e fotos protocolares. A infância moçambicana precisa mais do que discursos inspiradores: precisa de compromissos traduzidos em acções concretas, orçamento robusto e responsabilidade política.
A história dos cinco Presidentes visitada pelas crianças no Museu da Presidência lembra que o país já viveu vários momentos de viragem. Talvez agora seja a altura de o novo Presidente não apenas inspirar os mais novos, mas agir firmemente para que as suas vidas sejam efectivamente protegidas, valorizadas e ouvidas — não apenas ouvidas, mas também respondidas.
Porque, como o próprio Chapo reconheceu: o futuro da nação repousa nas suas mãos — mas esse futuro começa agora.