A estrutura da Rádio Moçambique (RM), uma das instituições públicas mais emblemáticas do país, encontra-se no centro de um escândalo que ameaça abalar profundamente a sua credibilidade. Uma denúncia anónima, endereçada ao Tribunal Administrativo, à Procuradoria-Geral da República e ao Gabinete Central de Combate à Corrupção, revela alegações graves de corrupção sistémica, desvio de fundos públicos, subornos e perseguição institucional dentro da empresa.
No epicentro das acusações estão Alice Gove Amade, Administradora de Administração e Finanças, e Manuel Muchanga, Director de Contabilidade da RM. Segundo o documento, datado de 6 de Junho de 2025, ambos liderariam um esquema de corrupção que movimentaria mensalmente somas consideráveis, desviadas das contas da rádio para fins pessoais.
A denúncia descreve um ambiente de aparente impunidade, onde reuniões para tratar de operações suspeitas ocorreriam em pensões e hotéis da cidade de Maputo, durante o horário normal de expediente. O documento também liga o esquema a figuras externas, destacando o nome de Valentim Nhampossa, alegadamente envolvido como intermediário entre a RM e o Instituto de Gestão das Participações do Estado (IGEPE). Nhampossa estaria a receber subornos mensais de 100 mil meticais para ignorar irregularidades internas e dar legitimidade a decisões da administradora Amade, como se estas fossem instruções do IGEPE.
Entre as práticas apontadas na denúncia estão a falsificação de documentos para desviar verbas de projectos financiados por parceiros internacionais, como a UNICEF, bem como a manipulação de auditorias mediante pagamento de subornos a técnicos responsáveis pelas inspecções. A denúncia também indica que os departamentos de Recursos Humanos, Jurídico e Administrativo estariam sob controlo directo da administradora, o que permitiria o silenciamento de queixas e o encobrimento de actos ilícitos.
Funcionários que tentaram denunciar as irregularidades, ou que simplesmente não integravam o círculo de confiança da actual direcção, teriam sido alvo de retaliações, afastamentos ou despromoções. Em contrapartida, colaboradores com conduta questionável teriam sido promovidos ou mantidos em cargos influentes. Um dos casos citados é o de Manuel Tembe, descrito como conhecedor de vários desvios e beneficiário de viagens custeadas por projectos sociais, como o “Mundo Sem Segredos” e programas destinados à infância, apenas para auferir ajudas de custo.
Outro detalhe que chama a atenção é a alegada utilização frequente do apelido “Gove” por parte da administradora, numa tentativa de intimidar colegas, fazendo alusão ao prestígio do seu nome de solteira, associado ao antigo governador do Banco de Moçambique e às controversas “dívidas ocultas”.
O documento também menciona irregularidades salariais, benefícios superiores aos legalmente estipulados e um pedido insólito: o pagamento de 70 mil meticais a Valentim Nhampossa como forma de "reconhecimento" pelo seu alegado apoio institucional.
Os autores da denúncia pedem uma investigação “célere, exaustiva e rigorosa” por parte das autoridades, visando responsabilizar todos os envolvidos e restaurar a integridade da Rádio Moçambique. Até ao momento, nem a direcção da RM, nem os visados ou as autoridades judiciais emitiram qualquer comentário oficial sobre o caso. A Procuradoria-Geral da República também não confirmou a abertura de um processo de investigação.