Por Jornal Creator
Paralisação anunciada por falta de remuneração agrava crise na saúde e expõe o descaso do governo com os profissionais da linha de frente.
A partir de 1 de junho de 2025, o Hospital Central de Maputo (HCM), a maior unidade hospitalar do país, enfrentará mais uma grave disrupção: os médicos residentes, espinha dorsal do atendimento em regime extraordinário, deixarão de realizar qualquer tipo de trabalho fora do horário normal de expediente, incluindo feriados e fins de semana. O motivo, mais uma vez, é o atraso sistemático e prolongado no pagamento das horas extras.
Esta decisão, formalizada numa carta endereçada ao Diretor-Geral da unidade, Mouzinho Saide, expõe não apenas uma crise administrativa, mas também a deterioração contínua da confiança entre os profissionais de saúde e o governo — em particular o Ministério da Saúde (MISAU), gerido sob a tutela da FRELIMO.
UMA PROMESSA QUEBRADA
Os médicos residentes denunciam que, mesmo após terem retomado o trabalho extraordinário em agosto de 2024 — confiando na promessa de regularização dos pagamentos —, a dívida acumulada só cresceu. O Estado deve meses inteiros de 2024 e cinco meses de 2025, comprometendo severamente a subsistência desses profissionais, que arcam com deslocações diárias, alimentação e responsabilidades familiares.
Segundo os residentes, “a Direção-Geral do HCM falhou em cumprir os compromissos assumidos em múltiplas reuniões”, tornando insustentável a continuidade das atividades sem remuneração. O resultado é uma exaustão física, emocional e financeira, num contexto onde o sistema de saúde nacional já se encontra sob imensa pressão, devido à greve geral de outros profissionais do setor, que se arrasta há mais de dois meses.
UM GOVERNO DE OUVIDOS MOUCOS
Enquanto a saúde pública afunda, o governo moçambicano parece caminhar a passos largos rumo à indiferença. A surdez institucional do executivo, liderado pela FRELIMO, é uma constante em episódios semelhantes dos últimos anos. A promessa de valorização dos profissionais de saúde tem sido sistematicamente desmentida pela realidade dos factos.
BASTA LEMBRAR:
- 2021: Profissionais de saúde em Nampula e Zambézia paralisaram as atividades por falta de salários e péssimas condições de trabalho. O governo respondeu com promessas vagas e tentativas de intimidação.
- 2019: Durante a epidemia de cólera em Cabo Delgado, médicos denunciaram a ausência de meios para atendimento básico. As denúncias foram ignoradas, e o surto agravou-se.
- 2017: A classe médica ameaçou paralisar serviços essenciais por falta de medicamentos e infraestruturas mínimas nos hospitais centrais. O Ministério da Saúde alegou "limitações orçamentárias", mesmo quando os gastos do governo com viaturas de luxo e subsídios parlamentares atingiam valores milionários.
Em todas essas ocasiões, o padrão se repetiu: um governo que promete, posterga e, no fim, negligencia. A FRELIMO, que há décadas comanda o país, tem gerido a saúde pública como se fosse uma prioridade apenas de campanha eleitoral.
AS VÍTIMAS INVISÍVEIS
Enquanto a retórica política se arrasta, as verdadeiras vítimas são os moçambicanos que dependem do sistema público. Já há relatos de mortes evitáveis nos corredores dos hospitais, pacientes sem atendimento nas urgências, e cirurgias canceladas por falta de pessoal.
O drama da saúde pública moçambicana é reflexo de um Estado capturado pela ineficiência, que coloca a sobrevivência política acima da vida dos seus cidadãos. O silêncio do governo diante das denúncias é ensurdecedor — e cruel.
UMA BOMBA-RELÓGIO PRESTES A EXPLODIR
Com a iminente paralisação dos residentes e a greve prolongada no setor, a rede hospitalar nacional caminha para o colapso. A recusa do governo em dialogar de forma séria e transparente com os profissionais da saúde pode desencadear uma tragédia de proporções ainda maiores. E, como em tantos outros capítulos da história recente, a FRELIMO parece mais preocupada em controlar a narrativa do que em salvar vidas.
O povo moçambicano — e especialmente os doentes — já não podem mais esperar promessas que não se cumprem.
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