A recente aprovação da revisão da Lei n.º 2/2017, que regula o Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC), surge como uma tentativa do Estado moçambicano de conferir maior eficácia, transparência e cientificidade às investigações criminais. No papel, a proposta é progressista. Porém, uma análise crítica dos episódios anteriores envolvendo o SERNIC — amplamente reportados pela televisão moçambicana — levanta sérias dúvidas quanto à viabilidade da aplicação prática da nova legislação.
RETROCESSOS E CASOS PROBLEMÁTICOS
1. Desaparecimentos Forçados e Detenções Arbitrárias
Programas de investigação exibidos pela televisão, como o “Linha Aberta” da TVM, já expuseram casos de cidadãos detidos sem mandado judicial e por longos períodos sem acusação formal.
Exemplo: Em 2022, um jovem comerciante da cidade de Nampula foi detido pelo SERNIC sob suspeita de tráfico de drogas. Passou 45 dias encarcerado sem acusação, tendo sido libertado após pressão familiar e mediática. O caso nunca chegou ao tribunal.
Impacto na nova lei: O novo enquadramento prevê um SERNIC subordinado ao Ministério Público, mas sem mecanismos externos de fiscalização, o que pode perpetuar abusos sob uma nova roupagem legal.
2. Falta de Transparência em Operações Sensíveis
O assassinato de figuras conhecidas, como o activista Anastácio Matavel (2019), cuja investigação envolveu elementos do SERNIC, foi alvo de cobertura por canais como STV e TV Sucesso. Até hoje, parte da sociedade civil questiona a lentidão e a omissão de responsabilidades internas por parte do serviço.
Impacto na nova lei: A lei cria unidades especializadas (corrupção, cibercrime, ativos), mas sem clareza sobre como o SERNIC responderá quando seus próprios agentes estiverem implicados.
3. Fugas de Informação e Proteção de Elites
Em 2023, uma reportagem da Miramar destacou que investigações contra redes de contrabando de madeira e rubis no norte de Moçambique foram bloqueadas ou desviadas dentro do SERNIC, segundo denúncias internas. Relatórios de investigação “desapareceram” antes de serem entregues ao Ministério Público.
Impacto na nova lei: O reforço de competências do Diretor-Geral sem contrapesos pode agravar a centralização e permitir a manipulação de investigações com interesses políticos ou económicos.
O QUE PODE LEVAR AO FRACASSO DA NOVA LEI?
Cultura institucional autoritária, herdada do modelo paramilitar, que ainda persiste mesmo com a mudança de estatuto.
- Ausência de fiscalização independente, que permita à sociedade monitorar as ações do SERNIC.
- Falta de investimento real em tecnologia e formação, essencial para que as novas unidades especializadas funcionem de forma eficaz.
- Infiltração de interesses político-partidários, como já se suspeitou em casos de censura ou abafamento de investigações sensíveis.
CONCLUSÃO
O SERNIC enfrenta agora um momento decisivo: ou rompe com um passado marcado por arbitrariedades, ineficácia e interferência política, ou a nova lei será apenas uma camuflagem legal de práticas antigas. A televisão tem servido como um espelho público dessas falhas — e continuará sendo, se a sociedade não for parte ativa no escrutínio da aplicação desta revisão.
O desafio não está apenas no texto legal, mas na vontade institucional e política de fazer diferente.