O sequestro de Churene Richade, um menino de apenas seis anos, ocorrido em plena luz do dia na movimentada Avenida Mao-Tsé Tung, em Maputo, expõe de forma gritante a fragilidade das reformas recentemente implementadas no Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC). O crime não foi apenas ousado — foi um retrato alarmante da crescente audácia do crime organizado e da ineficiência das instituições responsáveis pela segurança pública em Moçambique.
A criança foi levada por um grupo de indivíduos armados enquanto seguia para um centro de estudos islâmicos, acompanhada da mãe. O rapto ocorreu sem qualquer resistência, num cenário urbano movimentado, com testemunhas e potencial vigilância, o que deveria ser um ambiente minimamente controlado. No entanto, os criminosos agiram com total liberdade, como se soubessem que não seriam interceptados — e, até agora, não foram.
Apesar de o governo ter anunciado, nos últimos meses, um reforço da capacidade operacional do SERNIC e a criação do Ramo de Investigação de Ilícitos Criminais (RIIC), a verdade é que a eficácia prática dessas reformas continua altamente questionável. Até o momento, as autoridades não se pronunciaram oficialmente sobre este sequestro — um silêncio que dói, revolta e aprofunda a sensação de abandono vivida pelas vítimas e seus familiares.
As estatísticas oficiais revelam que Moçambique registou 185 raptos desde 2011, com 288 detenções relacionadas. No entanto, o número de condenações efetivas continua escasso. Muitos mandantes continuam foragidos, alguns operando a partir de países vizinhos, como a África do Sul. A falta de cooperação internacional e de legislação específica para o crime de rapto agrava o cenário, permitindo que as redes criminosas atuem com relativa impunidade.
A comoção pública diante do sequestro de Churene espalhou-se rapidamente pelas redes sociais após a divulgação de um áudio de um familiar pedindo orações. Mais uma vez, é a sociedade civil que se mobiliza, enquanto o Estado observa com aparente impotência. Brigadas de fiscalização foram montadas nas saídas da cidade com viaturas blindadas, obrigando os condutores a reduzir a velocidade e abrir os vidros, mas a resposta parece tardia e, até aqui, ineficaz.
O Provedor de Justiça, Isac Chande, já alertou para o impacto profundo e traumático dos raptos nas famílias moçambicanas, pedindo maior vigilância por parte da sociedade. Mas não é a sociedade que deve carregar sozinha o peso da segurança pública. O Estado tem a obrigação de proteger os seus cidadãos — e falhou.
O rapto de Churene Richade não é um caso isolado: é um grito de alerta. A inoperância das autoridades diante de mais um crime hediondo mostra que, embora as reformas no SERNIC tenham sido anunciadas com pompa, ainda não saíram do papel com a eficácia que a crise exige. Enquanto não houver resultados concretos, o crime continuará a avançar — e os moçambicanos a viver com medo.
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OPINIÃO | CRÍTICA POLÍTICA