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Universidades de Língua Portuguesa Enfrentam Desafios do Século XXI Entre Discurso e Realidade


Maputo acolheu, esta semana, o XXXIV Encontro da Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP), sob o mote da cooperação académica como ferramenta de combate aos desafios globais. Falando em nome do Presidente da República, o secretário de Estado da Ciência e Ensino Superior, Edson Macuácua, destacou o papel das universidades na resposta a questões como as mudanças climáticas, a revolução digital, a crise de valores e o desemprego qualificado.

Mas se o discurso é ambicioso, os obstáculos permanecem gritantes — especialmente para Moçambique, onde universidades públicas enfrentam orçamentos reduzidos, infraestrutura degradada e fuga de cérebros.


Universidade como centro de soluções... ou apenas discursos?

Macuácua defendeu que a AULP deve afirmar-se como “plataforma de interacção e diálogo multilateral”, promovendo não só o ensino, mas também a investigação e a inovação. Citou a cidade da Beira como um exemplo vivo das consequências da crise climática — com sucessivos ciclones, inundações e secas a arrasarem infraestruturas e vidas humanas.

No entanto, ironicamente, muitas universidades moçambicanas que lidam directamente com estas realidades permanecem sem recursos mínimos para produzir investigações relevantes ou soluções práticas. Vários projectos científicos sobre mudanças climáticas são financiados por organismos estrangeiros, e não pelo Estado — um paradoxo para um país que reconhece o problema, mas não investe nele de forma consistente.


Crise climática e crise de pensamento prático

Para o governante, o ensino superior precisa de uma “resposta robusta” perante os desafios ambientais e sociais. Mas essa robustez colide com a realidade dos cursos teóricos desactualizados, falta de equipamentos laboratoriais e uma fraca articulação com o mercado de trabalho.

A proposta de fortalecer “a mobilidade de estudantes e docentes” entre países lusófonos esbarra, na prática, com entraves burocráticos, barreiras linguísticas e desigualdade no reconhecimento de diplomas. A cooperação entre universidades da lusofonia continua muito mais no plano diplomático do que em programas sólidos de intercâmbio ou inovação conjunta.


Do pós-modernismo à precariedade docente

Macuácua fez ainda uma crítica ao “pós-modernismo” e à “era da pós-verdade”, propondo que a universidade seja um espaço não só de saber técnico, mas também de “saber conviver” e formar cidadãos íntegros. A proposta é nobre — mas ignora o facto de que muitos docentes vivem em condições precárias, com salários baixos, carga horária excessiva e sem incentivos reais à pesquisa ou à formação contínua.


Empregabilidade: o nó que o Estado ainda não desatou

Um dos pontos mais sensíveis do discurso foi a ligação entre universidade e mercado. O secretário de Estado reconheceu que os recém-formados continuam sem perspectivas reais de emprego — uma realidade que compromete a credibilidade do próprio ensino superior.

“Formamos para quê?” — é a pergunta que se impõe. Num país onde muitos cursos não têm qualquer ligação com a realidade económica local, e onde o empreendedorismo é frequentemente uma saída desesperada e não uma escolha estratégica, a reforma estrutural do ensino superior é urgente e incontornável.

O discurso de Edson Macuácua trouxe reflexões importantes sobre o papel das universidades num mundo em transformação. Mas, como tantas vezes em Moçambique, o problema não está no diagnóstico, mas sim na falta de coragem política e investimento sério para implementar soluções.

Enquanto o país continuar a usar os fóruns internacionais para defender ideias progressistas que não se traduzem em políticas públicas concretas, a universidade continuará a ser um espaço de discursos — mas não de mudança real.

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